sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A Ferro e Fogo: Pérola do Metal nacional que nem sempre é lembrada.



O ano era 2001 (se é que a memória está em dia). Era só mais uma entre tantas madrugadas de insônia em que este que vos escreve recorria a uma de suas paixões para esperar o sono chegar. Calma aí! Não é nada disso que você pensou... A paixão em questão aqui é o bom e velho rádio. Sério! Adquiri o hábito de ouvir rádio desde pequeno. Graças a um raidinho de pilha AM de uma Tia, a clássica Rádio Globo AM (‘Meia noite em ponto! Novo dia chegando!’ ou ‘O Globo no arrrrr!!!!’) e, claro, a insônia que me acompanha desde sempre. De volta a tal madrugada de 2001 (ou algo do tipo): Na época, a Rádio Fluminense tinha acabado de voltar ao ar, em fase experimental. Havia o boato de que a Maldita

voltaria para FM, mas naquele momento o máximo que podíamos aproveitar era a clássica emissora em AM mesmo.



Fã de Rock, apaixonado por rádio e com a Maldita de volta ao ar? Era tudo que eu podia querer. Nas madrugadas era de lei: Fluminense, malditááá!! E tome Violeta de Outono, Casa das Máquinas, Celso Blues Boy... No meio disso tudo, eu seria apresentado a uma das músicas mais legais que ouvi em toda a minha vida. Como nessa fase em AM da FLU não havia locução, a única referência que ficou pra mim foi o refrão: “Salém! A cidade das Bruxas.... Salém! Os domínios do inferno.... Salém! A cidade das Bruxas.... Salém! Onde o mal é eterno....” Pronto! Já estava enfeitiçado. Tempos depois, entre uma cerveja e outra com o baixista de uma ex banda, lembrando de bandas das antigas a tal ‘Salém’ surgiu no meio da conversa! Harppia! Pronto, já sabia o nome da tal banda e, por sorte, meu companheiro de mesa naquela ocasião (uma espécie de ‘Enciclopédia Rock’) tinha o vinil! E, em breve, o mesmo estaria em minhas mãos!


Colocar essa bolacha na vitrola foi, sem dúvida um dos momentos mais marcantes de minha modesta carreira de ‘garimpador’ de bandas undergrounds. Era, ao menos pra mim, recente a imagem do show histórico do Iron Maiden no Rock in Rio 3 (sim, eu estava lá), conseqüentemente, estava ‘redescobrindo’ meus cd’s e discos de metal. E era exatamente isso que rolava na vitrola bem a minha frente: O ponto exato de transição do metal clássico dos anos setenta com o dos oitenta. O tal vinil, se chamava A Ferro e Fogo. Saíra em 1985 e era o primeiro lançamento da Harppia, pelo selo paulistano Baratos Afins. Com letras em português e uma banda absurdamente competente a obra prima captava a, então recente, NWOBHM (que já rolava na ‘terra da raínha’ desde o final dos setenta) de Judas Priest, Iron Maiden, Saxom (do, futuro Iron Maiden, Bruce Dicknson) e Def Leppard sem abandonar as letras, temas e características de nomes como Black Sabbath, AC/DC e outros mais ‘das antigas’. Eram explícitas as influências de Iron Maiden e Judas Priest, nem que os caras tentassem negar conseguiriam.


A instrumental Harpago dá o ponta pé inicial no Lado A. O clima de suspense (100% Steve Harris) sugerido pela faixa abre caminho para a, que é sem dúvida, grande pérola do disco e da banda: Salém (A Cidade das Bruxas)! A intrudução é NWOBHM purinha! Tudo soa perfeito! Desde o início da letra ‘satânica’ sendo declamado até o solo de baixo (quer coisa mais Iron Maiden?) no final, passando pelo já citado refrão! Hit instantâneo! Clássico do Metal nacional! Fechando o lado do disco, logo em seguida vem Náufrago. Pelo nome já se tem uma vaga idéia do que trata a canção, certo? Ok, vocês vão pensar: “Já vi uma banda de metal que adora usar esses temas... Mas quem?” Acertou quem pensou em Steve Harris e seu Iron Maiden! Tudo bem, não estou acusando a Harppia de plágio nem de falta de criatividade, mas esses eram temas recorrentes em bandas de metal ao redor do mundo na época. No Brasil, com a Harppia, não poderia ser diferente. Com uma cara um pouco mais Judas Priest (ao menos soa assim pra mim), A faixa título abre o Lado B! Pancadaria da boa! Incitatus (também instrumental) e a também a pulada Asas Cortadas, vêm logo em seguida fechando uma das obras primas do Heavy Metal brazuca, indiscutivelmente!


O curioso nessa história é que, apesar de ter se destacado na época, a Harppia não é o primeiro nome que surge quando se fala dos primórdios do estilo no Brasil. Normalmente se fala do primeiro da banda paraense Stress (pratrocinado pela Pepsi!?!), de 1983. Ou o split Ultimatum, com Dorsal Atlântica e Metalmorphose, de 1985. Óbvio, ambos são importantes para entendermos o som pesado por essas terras, mas me soa estranho que um trabalho do porte de A Ferro e Fogo passe desapercebido. Isso quando não se dá um salto maior ainda no tempo pra buscar o início do Metal por aqui em dinossauros (no bom sentido) como Bicho da Seda, Casa das Máquinas, Patrulha do Espaço e outras. Nada contra nenhuma dessas, muito pelo contrário – até porque devem haver nomes importantes e esquecidos dessa época também, basta pesquisar.


De volta a Harppia: a banda, que começara em 1982 com o nome de Via Láctea ainda lançaria um segundo álbum, intitulado Sete e um cd (Harppia’s Flight). No decorrer do tempo, rolam mudanças na formação, mas a que é considerada a formação clássica, ao que parece é: Jack Santiago (vocais), o também Golpe de Estado, Hélcio Aguirra (guitarra), Marcos Patriota (guitarra), Ricardo Ravache (baixo) e Zé Henrique (bateria). Sendo os dois primeiros responsáveis pelas composições. Com essa galera a banda teve seu primeiro momento de exposição participando de uma compilação da Revista Bizz com a música Salém (A Cidade das Bruxas) que viraria hit em rádios na época, antes de a banda assinar com a Baratos Afins e lançar o A Ferro e Fogo. A banda é, inclusive, uma das fundadoras da, hoje desativada, Cooperativa Paulista de Rock. Faz tempo...


É mais ou menos o seguinte: Todo e qualquer estilo, tendência, ou mesmo modismo tem, invariavelmente, seus ícones. Isso é normal. Na música então, nem se fala. Quando se cita um determinado ‘movimento’ a primeira coisa que se faz é lembrar dessa ou daquela banda, não é mesmo? Só que normalmente vamos direto a nomes que, seja por que motivo for, estavam no ‘topo’ junto com seu ‘segmento’, ou ‘moda’ (sem querer soar pejorativo). Sendo assim, a idéia aqui não é ‘fazer justiça’ ou dar um ‘puxão de orelha’ na história, mas sim, humildemente, homenagear uma pérola musical que nem sempre é lembrada, ou recebe o devido valor por parte dos que se aventuram em documentar a história do underground nacional.


por: Rafael A.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

The Mars Volta - 'De Santana a Pink Floyd'

O ponto de partida pra essa nossa história será o Rock Progressivo, ou simplesmente Prog.... ou 'Música Progressiva', 'Arte Superior', tanto faz. Chame-o como quiser. Músicas gigantes, umas se emendando na outra. Climas viajantes. Shows megalomaníacos com toneladas de equipamento. Temas tirados sabe-se lá de onde em histórias malucas sendo contatas ao longo de álbuns que parecem não ter fim... Enfim. Todo mundo já conhece essa parte, certo? Apesar de ter tido seu auge na década de setenta com Pink Floyd, Yes, Foccus, Rush e outros ícones, o estilo continuou firme nos anos oitenta e, desde os noventa em diante passou a ser cultuado longe do mainstream. Salvo algumas exceções, muitas bandas passaram a lançar seus discos por selos modestos, cercados (e seguidos) por uma horda (no bom sentido) de admiradores que devoram tudo referente ao estilo. Também não se pode negar a influência absurda que nosso querido Prog teve (e tem) sobre uma penca de bandas ao longo dos anos. Dá pra citar desde o, escancaradamente progressivo Ok Computer dos ingleses do Radiohead até bandas brazucas como Violeta de Outono, O Terço e a gaúcha Engenheiros do Hawaii (principalmente em álbuns como O Papa é Pop, GLM e Várias Variáveis). Gostando ou não, o Rock Progressivo está por aí. As vezes, mais perto do que você imagina.

O fato é: Deixando o radicalismo exacerbado de uma parte dos fãs de Prog de lado, o estilo é sim uma variação mais, digamos... erudita do Rock (não me batam, por favor!). A grosso modo faz sentido, sim. Existe a preocupação com arranjos, harmonia, métrica, letras, arte dos álbuns, enfim, com a obra do artista como um todo. Tudo isso, e até um certo ar formal aproxima o Prog da música erudita. Coisa que o despojamento de outras vertentes roqueiras, como o Punk, por exemplo, não permitiriam. E se varrermos o tal radicalismo pra debaixo do tapete de vez veremos que outros elementos podem perfeitamente ser incorporados ao Prog, e ao Rock de uma forma mais ampla. Dei essa volta toda pra falar de uma banda que, da maneira mais cafajeste (no melhor dos sentidos), joga na nossa cara uma verdade que muitos envolvidos com música fingem não enxergar: Música é música. O resto é conversa. Senhoras e senhores: A partir de agora este que vos escreve vai tentar, humildemente, apresentar a vocês uma das coisas mais interessantes que já passaram por meus ouvidos nos últimos tempos. A seguir, um pouco de uma história que vai da Salsa ao Progressivo. De Santana a Pink Floyd. Com generosas pitadas de Jazz, experimentalismos a lá Frank Zappa e histórias arrepiantes (mesmo!)...

O projeto The Mars Volta surgiu, oficialmente, no ano de 2001. Mas a coisa começou muito antes disso. Ainda na década de noventa Cedric Bixler-Zavala e Omar Rodriguez-Lopez faziam parte da famosa At The Drive-In. Apesar de seu público ser formado, basicamente, por fãs de Hardcore na época, a banda não se prendia ao rótulo. Na época, foi classificada, junto com outras bandas (Hot Water Music e outras...) como Post. Rótulo este que, até hoje, segue não fazendo muito sentido, ao menos pra esse que vos escreve. Acordes dissonantes, andamentos pouco convencionais e melodias estranhamente bem trabalhadas saltavam aos ouvidos! A questão é que o som da At He Drive-In, nitidamente, rompia as barreiras do Hardcore garantindo a Omar e Cedric lugar de destaque entre seus contemporâneos. Paralelamente ao At The Drive-In os dois tocavam uma outra banda, chamada DeFacto. Nesse projeto, os chicanos/americanos contavam com mais um integrante, o técnico de áudio Jeremy Michael Ward. A DeFacto abusava dos experimentalismos, fazendo uso de influências que iam do Reggae ao Rock, passando por Jazz e musica latina. Na época a formação era a seguinte: Cedric na bateria, Omar no baixo e Jeremy nos vocais. Com esse nome a banda lançou dois trabalhos: How do you dub? You Fight for Dub. You plug Dub in e Megaton Shotblast (este segundo já com o tecladista Isaiah Ikey Owens, apontado como fundamental para o direcionamento sonoro que o projeto tomou). E era só o começo...

Com o fim do At The Drive-In Omar e Cedric abraçaram de vez o DeFacto, enquanto seus companheiros de banda davam a luz a ótima Sparta. Continuava a busca por novos horizontes musicais que tve início tanto no At The Drive-In quanto no projeto DeFacto. Foram incorporados ao projeto a bateria de Jon Theodore e o baixo de Eva Gardner. Chegaram inclusive a se apresentar com essa formação. Pouco tempo depois, já sob o nome de The Mars Volta, saia Tremulant EP. O primeiro lançamento oficial da banda. Nele, três pérolas: O início quase sombrio de Cut the City, que explode numa levada quebrada tipicamente anos setenta. Muito por causa do vocal de Cedric que lembra, em muitos momentos, Robert Plant. Com trechos de sua letra em castelhano Concertina surge e se firma, até hoje, como um dos momentos mais geniais da banda. Progressiva até o talo, com direito a mudanças de andamento e toda sorte de viajens ao longo de seus mais de oito minutos, Eunuch Provocateur fecha o primeiro ato do TMV com chave de ouro!

Um entra e sai de integrantes, shows de divulgação de Tremulant EP e a história de um viciado em drogas em pleno coma! Essa era a receita de De-Loused in the Comatorium segundo trabalho dos caras e primeiro álbum conceitual lançado pela banda. A história era a de Julio Venegas, amigo das antigas de Omar e Cederic. O cara passou anos em coma devido a abuso de drogas. Saiu do coma e se suicidou pulando de uma ponte (vai entender). Aliás, não era a primeira vez que os caras faziam referência a morte de Julio Venegas – há referência ao cara em um dos álbuns da At The Drive-In. De volta ao De-Loused in the Comatorium, o disco mostrava um amadurecimento musical imprenssionante. Tanto Omar quanto Cederic extrapolavam (o que se tornaria comum dali por diante) com arranjos que beiravam a perfeição! Começavam a aparecer com mais clareza as referências a música latina. Em Cicatriz os caras viajavam por mais de doze minutos até o desfecho latino a lá Santana! A frenética Drunkship of Lanterns também é destaque! Ainda faz parte da bolachinha a maravilhosa balada Televators!

Aliás, sabe quem é responsável pelos baixos de quase todo o álbum? Nada mais nada menos que Flea, dos Red Hot Chilli Peppers! As duas bandas saíram juntas em turnê. E, mais uma vez, coisas estranhas estavam no caminho da TMV. Tudo ia bem até que, enquanto De-Loused in the Comatorium vendia feito água e a banda excurssionava junto ao parceiro Flea e seu RHCP, o técnico de som e responsável pelas letras das canções da banda até então, o já citado Jeremy Ward, foi encontrado morto após sofrer uma overdose. O cara deixava, fora sua contribuição para banda, um caderno de anotações, com histórias e personagens criados para, quem sabe, futuras letras. Esse material faria parte do momento mais grandioso da banda dois anos depois... A The Mars Volta chega ao final da tour de De-Loused in the Comatorium, após uma pausa devido a morte do amigo e colega Jeremy. O baixista Juan Alderete e o irmão de Omar, Marcel Rodriguez-Lopez, na percussão, são os mais novos integrantes da banda. Hora de dar o ponta pé inicial nas gravações do álbum seguinte. De-Loused in the Comatorium havia voltado as atenções de muita gente mundo afora para a The Mars Volta, o próximo trabalho teria de ser a altura, certo? Não, tinha de ser melhor. E provavelmente era isso que a dupla Cederic & Omar tinha em mente.

Com letras inspiradas no material deixado por Jeremy Ward antes de sua morte e Sr.Omar Rodriguez-Lopez em estado de graça (mais adiante explico), a The Mars Volta solta seu melhor trabalho na rua. Frances The Mute é o nome da pedrada! Um disco maravilhoso do início ao fim! Todos os elementos característicos da música do TMV estão lá. O guitarrista Omar dá um verdadeiro show de competência e assina todas as partes de guitarra, teclado, vocais e bateria de Frances The Mute! O álbum vai direto para as primeiras posições entre os mais vendidos já na semana de lançamento puxado pela faixa que abre o disco, a incrível e soturna balada The Widow. O que dizer de um trecho de letra com um final desses: “Let me die... Cos I never.... Never sleep alone...” A música, inclusive, ganha vídeo clipe igualmente belo e super bem produzido. Durante a tour de Frances The Mute Paul Hinojos, ex-At The Drive-In (um dos que formou o Sparta), é anunciado como novo técnico de som da banda. No mesmo ano os caras saem em turnê com a, então no auge, Syatem of a Down. Na época, rolavam boatos de que essa tour passaria pelo Brasil. Imagina um show desses...

Após o estrondoso Frances The Mute vieram mais dois ótimos trabalhos: Amputechture (de 2006) e The Bedlam In Goliath (2008). Ambos seguem o mesmo caminho trilhado pelo The Mars Volta desde sua fundação. A banda aparenta estar em constante evolução. A cada álbum lançado há algo novo, diferente a ser decifrado pelo ouvinte. No disco de 2006, por exemplo, há a participação de John Frusciante (Red Hot Chili Peppers) na faixa Asilos Magdalena. A partir dele o vocalista Cederic passa a ter mais espaço e liberdade na confecção das letras, enquanto Omar se preocupa mais com a parte da produção do álbum. Já o disco de 2008, teve como primeiro single a faixa Wax Simulacra, que fecha o álbum. Single este que conta com uma versão dos caras para uma música da oitentista Siouxsie & the Banshees (muito legal, por sinal). Fora estes lançamentos, a banda ainda conta com um vasto material. Desde EP’s com versões ao vivo até Lados B de singles lançados mundo afora. Pra quem nunca ouviu nada dos caras uma boa é a coletânea A Missing Chromosome, do ano de 2005. Mas, definitivamente, o álbum Frances The Mute é a obra-prima dos da TMV até aqui!

Em junho deste ano os caras lançaram Octahedron, seu quinto trabalho de estúdio. Entre atrasos, adiamentos e uma ou outra intervenção sobrenatural (segundo os próprios) a banda colocou o disco na rua e, pra quem quiser conferir uma amostra, o primeiro single (a música Cotopaxi) está disponível na página dos caras. O álbum aponta para novas direções, mais elementos acústicos foram incorporados ao som da banda (não que não estivessem lá antes, mas apareceram mais). O disco soa, de uma forma geral, mais leve, solto, enfim. Só pra variar, pode perfeitamente (ao menos na opinião deste que vos escreve) ser colocado na lista da coisas mais bacanas lançadas este ano. Aliás, vale frisar que Cedric, Omar & Cia. estiveram no Brasil, fazem alguns anos. A banda participou de uma das edições do Tim Festival (ou alguma outra operadora de telefonia, sempre troco...) ao lado de alguns standards do jazz e um ou outro ‘grande-nome-instantâneo-do-rock-de-todos-os-tempos-do-mês’. Quem assistiu garante ter sido submetido a uma experiência impar! E provavelmente foi mesmo. Nos resta torcer para que os caras voltem a terras brazucas o mais breve possível, né? Afinal, não é sempre que se pode falar de At The Drive-In, King Crimson, Pink Floyd, Santana e múscia latina, Jazz, Frank Zappa, Red Hot Chilli Peppers e System of a Down na mesma história?



Rafael A.